terça-feira, 2 de setembro de 2014

Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley

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Sinopse: Publicado em 1932, Admirável Mundo Novo tornar-se-ia um dos mais extraordinários sucessos literários europeus das décadas seguintes. O livro descreve uma sociedade futura em que as pessoas seriam condicionadas em termos genéticos e psicológicos, a fim de se conformarem com as regras sociais dominantes. Tal sociedade dividir-se-ia em castas e desconheceria os conceitos de família e de moral. Contudo, esse mundo quase irrespirável não deixa de gerar os seus anticorpos. Bernard Marx, o protagonista, sente-se descontente com ele, em parte por ser fisicamente diferente dos restantes membros da sua casta. Então, numa espécie de reserva histórica em que algumas pessoas continuam a viver de acordo com valores e regras do passado, Bernard encontra um jovem que irá apresentar à sociedade asséptica do seu tempo, como um exemplo de outra forma de ser e de viver. Sem imaginar sequer os problemas e os conflitos que essa sua decisão provocará. Admirável Mundo Novo é um aviso, um apelo à consciência dos homens. É uma denúncia do perigo que ameaça a humanidade, se a tempo não fechar os ouvidos ao canto da sereia de uma falsa noção de progresso.

A minha opinião: Brilhante. Admirável Mundo Novo é uma referência no que diz respeito a distopias e, a meu ver, o seu lugar é merecido.

A sociedade descrita é inesquecível. Cada indivíduo foi condicionado aquando a sua gestação para se conformar com as normas desta sociedade. Deste modo, sente-se perfeitamente integrado na sua casta e convencido de que esta é a melhor para ele. Quer seja alfa (os mais evoluídos) ou epsilon (os que fazem trabalhos de escravo), o condicionamento é eficaz e, caso haja sentimentos anormais, estes são apagados facilmente pelo soma, a droga reconhecida.

São várias as questões que a leitura motiva. A óbvia é, claramente, quão longe estamos nós do relatado. Mas há mais. Quão facilmente somos manipulados à nascença ou quantas crenças limitam drasticamente a nossa visão? Quão frequentemente nos refugiamos em somas? Como olhamos nós aqueles que fogem à normalidade? Até que ponto conseguimos perder a nossa individualidade em prol da sociedade?

Escrevo esta opinião passadas já umas semanas da leitura do livro. Porém, dei por mim a relembrar em diversos momentos algumas passagens sobre religião, arte, política. A verdade é que, às vezes, só conseguimos notar como um livro nos marcou quando este sobrevive à passagem do tempo. Não tenho dúvidas de que este é o caso de Admirável Mundo Novo.

É ainda de destacar o excelente trabalho do tradutor, Mário Henrique Leiria, pelas várias notas que ajudam a compreender referências extra-textuais que aparecem ao longo da narrativa.

Recomendadíssimo.

Classificação: 9/10 - Excelente

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O Filho de Thor, de Juliet Marillier


Sinopse: Depois do sucesso obtido com a trilogia Sevenwaters, a Bertrand apresenta a nova série de Juliet Marillier A Saga das Ilhas Brilhantes, com o primeiro volume intitulado O Filho de Thor Eyvind sempre quis ser um dos maiores guerreiros viquingues – um Pele-de-Lobo – e lutar pelo seu chefe em nome do deus Pai da Guerra, Thor. Não concebe outro futuro mais glorioso. Mas o seu amigo Somerled, um rapaz estranho e solitário, tem outros planos para o futuro. Um juramento de sangue feito na infância força estes dois homens a uma vida de lealdade mútua.
 A um mundo de distância, Nessa, sobrinha do Rei dos Folk, começa a aprender os mistérios da sua fé. Nem a jovem sacerdotisa nem o seu povo imaginam o que lhes reserva o futuro.
 Eyvind e Somerled parecem destinados a seguir caminhos diferentes. Um torna-se um feroz servidor de Thor e o outro um cortesão erudito. Uma viagem chefiada pelo respeitado irmão de Somerled, Ulf, junta de novo os dois amigos, que acompanham um grupo de colonos que se vai instalar numas ilhas maravilhosas do outro lado do mar. Quando um facto trágico acontece a bordo de um dos navios, Eyvind começa a suspeitar de que talvez não tenha sido um acidente...

A minha opinião: Já tinha saudades de ler Juliet Marillier. Os seus romances que enlaçam fantasia e tradições celtas são, sem dúvida, um prazer de ler. Apesar da trilogia Sevenwaters, que li há uns anos, ter sido maravilhosa, o que coloca sempre altas expectativas em relação aos livros desta autora, o Filho de Thor revelou-se também num livro com poderosas mensagens e personagens fascinantes. 

Neste livro, Juliet apresenta-nos uma narrativa que tem lugar na Noruega e nas ilhas Órcades, a norte da Escócia, onde viviam os pictos antes destas serem ocupadas pelos vikings. Existe assim um ligeiro fundo histórico, não só a nível da ocupação das ilhas, mas também noutros aspetos, como a existência dos guerreiros que recebiam o chamamento cego (não de Thor mas de Odin) que os levava à sede da guerra. O facto é que estes detalhes encontram-se muito romanceados, não sendo a mais-valia do livro, apesar de fornecerem um pano de fundo interessantíssimo.

Neste cenário, acompanhamos então a expedição de Ulf, pertencente ao povo norueguês, para as ilhas brilhantes, onde vivem os Folk, povo muito antigo que tem uma relação íntima com a natureza daquelas ilhas e que, se ao contrário dos noruegueses não prima pelas armas, prima pela sua sabedoria. Curiosamente, é também este contraste que se verifica entre Eyvind e Somerled, dois jovens que partem com Ulf para estas ilhas e que partilham um juramento de sangue. Somos assim presenteados com personagens educadas em culturas bastante diferentes que têm contudo de descobrir como será a sua coexistência naquelas ilhas.
N' O Filho de Thor , as personagens são assim levadas a situações que nos levam a reflectir sobre o poder da manipulação e da mentira, a fronteira entre a lealdade e traição, a beleza da justiça e, sobretudo, o desafio da compreensão de culturas tão diferentes.
Os dilemas da personagem que mais surpreende pela sua evolução, Eyvind, são reais e, com outros contornos, todos nós, como ele, já estivemos em posições onde tivemos de tomar escolhas que não queríamos tomar em prol do que sabíamos estar certo. Por dar a entender, no início, que é uma personagem linear, a sua adaptabilidade e coragem surpreendem imenso e mostram que um bom coração nunca deve ser subestimado.

Do lado dos Folk, também se encontram personagens fascinantes. O rei Engus, Rona, Nessa, Kinart, todos surpreendem pela sua coragem que se demonstra de maneiras tão diferentes, porque eram menos fortes, mais velhos ou mais impulsivos e menos experientes, sentindo no entanto que pertenciam a algo maior do que eles e, como tal, teriam de ter a persistência necessárias para permanecer. Nessa, em especial, é uma personagem feminina marcante que, por incorporar o espírito de comunhão com a natureza das ilhas, me fez instantaneamente gostar dela.

O único ponto negativo a apontar é uma certa previsibilidade ao longo do livro. Não querendo transparecer que não tenham existido momentos em que fui surpreendida, o facto de, no final, parecer que tudo correu tão bem, apesar dos Folk praticamente dizimados, conferiu-me um sentimento de uma certa irrealidade. A meu ver, o final poderia ter sido melhor explorado.
 
Porém, houve tantas mensagens belíssimas, tantos contos celtas subtilmente colocados na narrativa, tantos momentos de sofrimento com as personagens, até mesmo de desilusão e tantos outros marcantes. Sendo este o primeiro volume da saga das ilhas brilhantes, tenho uma enorme vontade de ler o seguinte. Enfim, que posso mais dizer, já tinha saudades de ler Juliet Marillier.
Classificação: 8/10 - Muito Bom

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Matar é Fácil, de Agatha Christie

Sinopse: Luke Fitzwilliam não deu qualquer importância àquilo que, para ele, não passava de um fantasioso produto da imaginação de Miss Lavinia Pinkerton, a quem acabara de conhecer no comboio e cuja teoria a levava a dirigirse à Scoland Yard. Segundo a velhinha, as mortes que assolaram a pacata aldeia onde vivia deviam-se à acção de um assassino em série. Mas Lavinia não se ficava por aqui e acreditava conhecer a identidade da próxima vítima: Dr. Humbleby, o médico local. Algumas horas depois, Miss Pinkerton morre vítima de atropelamento. Mera Coincidência? Luke sentia-se inclinado a acreditar que sim… até que ao ler o The Times se depara com a notícia da inesperada morte do Dr. Humbleby…

A minha opinião: Um policial com o selo Christie é uma garantia de uma boa leitura e Matar é fácil não foi exceção. Apesar de não contar com a intervenção das habituais personagens - Poirot ou Miss Marple - nem de Luke ser propriamente um detective excepcional, o enredo e personagens eram apelativos e o interesse por descobrir o assassino por detrás de tantas mortes não cessa até à sua descoberta, como aliás já é habitual.

Neste livro, Luke é abordado numa viagem de comboio por Lavinia Pinkerton, que lhe dá a conhecer o elevado número de mortes que está a ocorrer na sua aldeia. Após o seu atropelamento, Luke decide ir para a referida aldeia, a fim de descobrir se a história da velhinha teria um fundo de verdade ou se seria apenas fruto da sua imaginação. Rapidamente se apercebe que os "acidentes" que causaram estas mortes tratavam-se, na realidade, de assassinatos e inicia assim a sua investigação. 

O ambiente pacato da aldeia aliado à inexperiência de Luke como detective (a minha lista de suspeitos e motivos era bastante semelhante à sua) tornam a leitura bastante interessante, levando-nos a crer que a descoberta da identidade do assassino estará ao nosso alcance. Porém, trata-se de Agatha Christie e os pormenores a que não demos atenção são aqueles que, no final, nos fazem ver que o assassino é inequivocamente o que ela aponta e não as nossas (várias) hipóteses.

Mas o mais divertido foi o facto de que Matar é Fácil mostra que, se pensamos que é difícil matar, desenganemo-nos. Tal como Lavinia afirma na viagem de comboio, "Matar é muito fácil... desde que as suspeitas não recaiam sobre nós. E sabe, a pessoa em questão é precisamente a última de quem alguém suspeitaria!"

Agatha Christie é, portanto, uma autora recomendadíssima.

Classificação: 8/10 - Muito Bom

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Livro, de José Luís Peixoto

Sinopse: Este livro elege como cenário a extraordinária saga da emigração portuguesa para França, contada através de uma galeria de personagens inesquecíveis e da escrita luminosa de José Luís Peixoto. Entre uma vila do interior de Portugal e Paris, entre a cultura popular e as mais altas referências da literatura universal, revelam-se os sinais de um passado que levou milhares de portugueses à procura de melhores condições e de um futuro com dupla nacionalidade. Avassalador e marcante, Livro expõe a poderosa magnitude do sonho e a crueza, irónica, terna ou grotesca, da realidade. Através de histórias de vida, encontros e despedidas, os leitores de Livro são conduzidos a um final desconcertante onde se ultrapassam fronteiras da literatura. Livro confirma José Luís Peixoto como um dos principais romancistas portugueses contemporâneos e, também, como um autor de crescente importância no panorama literário internacional.

A minha opinião: Conhecia pouco de José Luís Peixoto. Umas crónicas na Visão, uns textos soltos nas aulas de português, uma notícia ou outra no jornal ou na televisão, uma frase na Bertrand do Colombo. Parti assim para Livro sem saber muito bem o que esperar. A verdade é que isso foi perfeito. Desde a primeira página fiquei hipnotizada pela sua escrita, tanto coloquial e familiar, como erudita e poética, servindo da melhor forma a ocasião. Raras são as vezes em que, desde o início de um livro, encontro trechos que me apetece reler vezes sem conta, em que o verdadeiro prazer da leitura se encontra em saborear cada palavra lida. Mas esse foi o caso de Livro.

Aliado à escrita sublime, têm-se personagens fascinantes pela sua credibilidade. São os emigrantes portugueses que vêem na França um mundo de possibilidades, onde poderão arranjar emprego, qualidade de vida, felicidade, sendo para isso necessário abandonar o acarinhado Portugal. São os familiares que anseiam por notícias. São os habitantes da vila que se maravilham com os portugueses que retornam nas "vacanças" e trazem notas de mil escudos. Mas, ao mesmo tempo, são também Adelaide, Ilídio, Cosme, Josué, a velha Lubélia. Primeiro, as suas expectativas e resistência contra as adversidades, depois a desilusão e o cansaço até que uma carta, um olhar, um acontecimento, um regresso renovem a sua vontade de persistir.

[a parte sublinhada deve ser lida apenas se já leu o livro] Claramente dividido em duas partes, na primeira tem-se o contacto com as personagens da vila, o abandono de Ilídio pela mãe, o despertar do amor entre Adelaide e Ilídio, as suas idas para França, separados. Um retrato de uma vila portuguesa, com as suas pessoas generosas e mesquinhas, com traços humanos intemporais. Aqui, tem-se uma narrativa romanceada, mas realista.  Na segunda parte, tem-se uma descoberta que pode mudar por completo o significado de Livro. Na minha qualidade de leitora sem grandes conhecimentos de correntes literárias, foi a princípio estranha a mudança para um narrador que interpela o leitor, se auto-critica, auto interrompe e reflecte. Porém, a obra adquiriu um novo significado. Ao saber que o livro que lemos é o livro que a mãe deu a Ilídio, Livro torna-se mais que um mero romance, mostra que um livro é mais que palavras escritas, são lembranças, são significados que lhe conferimos ou um meio de comunicação. De referir que, durante todo o livro, vão aparecendo aqui e ali umas pontas soltas e poucos são os acontecimentos escarrapachados no papel. Mas assim é a vida, muitas explicações aparecem depois dos acontecimentos terem lugar, outros ficarão para sempre por explicar.

Não vivi em primeira pessoa o tema relatado. Porém, em Agosto, a minha aldeia está repleta de emigrantes franceses, alguns da minha família. Cresci a ouvir falar bastante da emigração, do bom, do mau. Livro trouxe de volta essas lembranças, deu vida novamente aos portugueses cuja descendência se sente agora francesa ou mesmo àqueles que não singraram. Após ler a última página, penso que essa era mesmo a intenção do narrador, porque enquanto as palavras são lidas pelo leitor, a realidade a que remetem existe.

Classificação: 9/10 - Excelente

sábado, 19 de julho de 2014

A rapariga que inventou um sonho, de Haruki Murakami

http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/a-rapariga-que-inventou-um-sonho/9789724617909/
Sinopse: Em A Rapariga que Inventou Um Sonho, o autor do best-seller Kafka à Beira-Mar envolve a fantasia com a mais natural das realidades. Do surreal ao mundano, estas histórias exibem a sua habilidade de transformar o curso da experiência humana na mais pura e surpreendente arte literária.
Há corvos animados, macacos criminosos, um homem de gelo… Há sonhos que nos moldam e coisas que sempre sonhámos ter… Há reuniões em Itália, um exílio romântico na Grécia, umas férias no Havai… Há personagens que se confrontam com perdas dolorosas, outras que se deparam com distâncias inultrapassáveis entre os que querem estar o mais próximo possível.
Quase todas as histórias são melancólicas, com personagens submersas pela solidão. Murakami junta os seus temas favoritos: os acontecimentos inexplicáveis (o tal toque de fantástico que provoca por vezes a sua inclusão na corrente do realismo fantástico), as coincidências, o jazz, os pássaros e os gatos. Tal como foi escrito no Los Angeles Times Book Reviey, "Murakami abraça o fantástico e o real, cada um com a mesma envolvência de intensidade e luminosidade."

A minha opinião:  Não me considava uma fã de contos. Sempre preferi romances que, por serem mais longos, eram, a meu ver, mais ricos no que dizia respeito ao estabelecimento duma ligação com as personagens/história. Foi por isso que, quando peguei neste livro há uns meses atrás, li apenas o primeiro conto e deixei-o de lado.

Por alguma razão decidi retomá-lo e, desta vez, não consegui parar. Corrijo, a leitura em si não foi rápida, afinal de contas, trata-se de Murakami e os contos que mais me chamaram a atenção exigiram uns momentos de reflexão pós-leitura. Acontece, porém, que houve uma interseção entre o meu estado de espírito e a atmosfera surreal murakamiana de tal modo que o primeiro conto acabou por ser um dos meus preferidos.


Quem conhece Murakami reconhecerá muitos elementos dos seus romances nesta coletânea de contos. No entanto, por serem mais curtos, têm, a meu ver, um maior poder de desconcertar o leitor. As palavras e os sentimentos adquirem um maior significado, os acontecimentos menor importância. Cada conto apresenta em poucas páginas uma história de 2 ou 3 personagens, onde são na verdade a solidão, o medo, o arrependimento ou a melancolia dessas mesmas personagens os verdadeiros protagonistas. E só assim é que, imediatamente, há contos que nos dizem tanto, apesar de nada do que está relatado ser semelhante ao que vivemos.

Destaco os contos "A rapariga que inventou um sonho", A Menina dos Anos","A História de uma tia pobre", "O Sétimo Homem", "Tony Takitani". Todos eles encerram poderosas mensagens sobre a nossa visão do mundo, os desejos, a crueldade do esquecimento, o perigo de não enfrentarmos os nossos medos ou a solidão profunda. 
Não diria que os outros contos não devam ser referidos, mas numa coletânea de 24 contos, há claramente contos que nos apelam mais que outros.

Murakami é um autor que recomendo, ainda que, para primeiro contacto, Sputnik, Meu Amor ou A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol me pareçam mais adequados.

Classificação: 8/10 - Muito Bom

terça-feira, 8 de julho de 2014

A Laranja Mecânica, de Anthony Burgess

Sinopse (contracapa): Edição comemorativa 50º aniversário da primeira edição de um dos grandes clássicos literários sobre futurologia do Século XX, comparável a obras com 1984 ou o "Admirável Mundo Novo". Imortalizado também no cinema pela mítica adaptação de Stanley Kubrick, é uma obra ímpar e de indispensável leitura, já que nem sempre a versão cinematográfica coincide com o texto do romance. Além disso esta edição Inclui material inédito: textos e ilustrações do autor, assim como ensaios sobre a obra e a sua polémica Narrada pelo protagonista, esta brilhante e perturbadora história cria uma sociedade futurista em que a violência atinge proporções gigantescas e provoca uma reposta igualmente agressiva de um governo totalitário que então domina a sociedade. Os processos utilizados e as fantásticas e inesperadas conclusões ainda hoje são tão polémicas como actuais.


A minha opinião: A Laranja mecânica é uma referência nas distopias, colocada injustamente ao lado de 1984 ou Admirável Mundo Novo. A meu ver, esta comparação é tão adequada como colocar o Drácula ao mesmo nível que o Crepúsculo.

Passo a explicar. Numa primeira parte, A Laranja Mecânica apresenta uma sociedade futurista promissora do ponto de vista distópico. Desde o início se cria uma repulsa pela violência despropositada que Alex e os seus "drucos" - amigos- praticam como forma de entretenimento nas suas saídas nocturnas. Esta repulsa provém não só dos próprios atos descritos, mas também do bom trabalho ao nível da narração que transmite a ideia da violência como algo não só natural para estes adolescentes, mas principalmente como algo justificável e sublime. Certamente, haveria muito por explorar, principalmente quando Alex - o narrador - é preso e, como forma de o correção, através de tratamentos de choque, criam nele uma repulsa física completa pela violência, de modo a que ele já não possa escolher o bem, mas sim seja obrigado a não escolher o mal, por todo o constragimento físico que o simples pensar na violência lhe provoca.

Sem dúvida somos levados a pensar, numa primeira análise, se é de algum modo justificável retirar o livre-arbítrio de uma pessoa, para a impedir de praticar o mal. Porém podemos, numa segunda análise mais introspetiva, tentar perceber até que ponto é assim tão diferente escolhermos o "bem" não porque seja essa a nossa verdadeira opção, mas sim porque, por alguma razão, impigida social ou legalmente, nos impele a não escolher o mal.

No entanto, ainda que com o argumento promissor, a leitura ficou muito aquém.  A utilização do "nadescente"  - calão dos adolescentes - ao longo da narrativa foi, para mim, excessiva e desinteressante. Ao longo do livro o leitor habitua-se, mas confesso que, para mim, não acrescentou rigorosamente nada ao livro, antes pelo contrário. Aliás, não fosse o livro tão famoso e tê-lo-ia largado nas primeiras páginas quando percebi o uso que o nadescente iria ter.

Mas o pior foi a própria condução da narrativa. Todo o livro parece querer que o leitor repudie a violência de uma forma tão óbvia, o que se torna completamente desinteressante. Não há assim espaço para uma verdadeira construção da personagem do narrador, ou visão ligeiramente mais geral da sociedade em questão. Parece assim que o livro tem apenas o propósito de criar uma reação imediata no leitor, demasiado primitiva na minha opinião.

Este livro foi um pesadelo para acabar. Mas acima de tudo uma grande desilusão.

Classificação: 5/10 - Razoável

Sinto me na obrigação de fazer a ressalva que apenas o potencial (não desenvolvido) é a razão pela qual classifico quantitivalmente com esta pontuação.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Sangue Felino, de Charlaine Harris

Sinopse: Traída pelo seu namorado vampiro de longa data, Sookie Stackhouse, empregada de bar do Louisiana, vê-se obrigada não apenas a lidar com um possível novo homem na sua vida (Quinn, um metamorfo muito atraente), mas também com uma cimeira de vampiros há muito agendada. Com o seu poder enfraquecido pelos estragos do furacão em Nova Orleães, a rainha dos vampiros locais encontra-se em posição vulnerável perante todos aqueles que anseiam roubar o seu poder. Sookie vê-se obrigada a decidir de que lado ficará. E a sua escolha poderá significar a diferença entre a sobrevivência e a catástrofe completa...

A minha opinião: A cada livro que leio, mais me convenço que esta será uma série que acompanharei até ao fim. Sangue Felino revelou-se num livro empolgante e viciante à semelhança dos volumes anteriores.


Em Sangue Felino, Sookie dirige-se a uma cimeira de vampiros, ao serviço da rainha do Louisiana, Sophie- Anne, que será julgada pela morte do marido. Claro está que o envolvimento de Sookie se deve à sua telepatia e também por ser testemunha da referida morte no livro anterior. 

Deste modo, neste 7º volume, Harris desvendou o véu que cobria a organização política e social dos vampiros que tinha vindo a ser aflorada anteriormente, ao mesmo tempo que desenvolveu algumas personagens, como Eric, Pam e a própria Sookie, que me pareceu muito mais perspicaz neste livro. Apesar de Sookie estar com Quinn (sim, a vida amorosa dela continua confusa), penso que o elo que criou com Eric terá consequências interessantes no que diz respeito ao avanço da sua relação, ou assim espero :)

Os pontos altos deste livro, que o distinguem dos anteriores, são, sem dúvida, a descoberta desta personagem que tinha passado meio despercebida nos meus olhos, Pam, assim como a variedade de situações com que Sookie se depara, desde o convívio com os vampiros e a irmandade do Sol até as conversas telepáticas entre Sookie e outro telepata, Barry. 

O próprio final do livro, que justifica o título em inglês (All together dead), merece também destaque, pois fez-me ver, com alguma estranheza, como os poderosos vampiros podiam afinal ser tão vulneráveis.

Classificação: 8/10 - Muito Bom

Saga Sangue Fresco - opiniões :

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Vento Suão, de Rosa Lobato de Faria

Sinopse: Quando faleceu, a 2 de Fevereiro de 2010, Rosa Lobato de Faria deixou inacabado este Vento Suão. Pôs-se então a hipótese de pedir a um(a) autor(a) das suas relações que imaginasse um desenvolvimento para a história que a morte não deixara chegar ao fim e terminasse o livro inacabado. Depressa se concluiu, no entanto, que tal não era a melhor solução - primeiro, porque não se tinha a certeza de que a autora aprovasse essa inclusão de uma voz alheia no interior do seu próprio fluir narrativo; depois, porque, apesar de inacabado, o romance tinha o desenvolvimento suficiente para se deixar ler como um todo com sentido. Aqui fica, pois, este Vento Suão tal e qual como Rosa Lobato de Faria o deixou. E como derradeira homenagem a uma escritora cuja obra teve como eixos fundamentais " a força da vida, o conhecimento profundo da realidade e do meio em que se agitam os seus fantoches ficcionais, o domínio das minúcias, o fôlego narrativo, a irrupção imparável de um vento negro de violência que impões uma aura de tragédia intemporal ao que parece quase inócuo."

A minha opinião: Este livro cheira a despedida. 

Sabemos e sentimos desde o início que este é um livro inacabado, pelos traços estilísticos ainda em bruto, onde certamente haveria arestas por limar e pela história que nos deixa assim, subitamente, com tanto por contar.

O livro inicia-se com a reunião de Sofia e Luísa, duas amigas de infância do Alentejo, que acabaram por crescer separadas uma da outra, mas cujas memórias da infância partilhada não esqueciam. Os seus sonhos de criança tinham muito em comum, como é normal nas amigas de tenra idade, mas as suas vidas acabaram por tomar rumos diferentes. É curioso que, tal como n' Os Pássaros de Seda, as personagens são conhecidas, logo no primeiro capítulo, sem que saibamos "por que caminhos " chegaram ali.

Atenção : As secções [] são as minhas considerações sobre o rumo que a história poderia tomar, apenas com base no que li, podem conter revelações sobre o enredo.

As duas enfrentam problemas. Sofia, por rebeldia interior, aceita casar-se com um homem que mal conhece, tornando-se numa vítima doméstica que parece não querer libertar-se desse abuso. [A meu ver, esta personagem iria sofrer um grande desenvolvimento nas páginas que se seguiriam se o livro não acabasse, porque penso que a sua independência  e vontade de viver da juventude, sugadas pelo marido, ressurgiriam. O choque inicial e a culpa pela morte de Mateus seriam substituídos por um alívio interior e pela vontade de sair da casa que partilhara com ele. Sofia começaria de novo, na casa da avó, lembrando-se ainda carinhosamente dos criados que, tão fielmente, na vida anterior, a tinham acompanhado, mas com a vontade de viver renovada.]

Luísa, pelo seu lado, libertou-se de Zé, o homem que amava e que a traiu, apesar de toda a sua dedicação. Ao regressar ao Alentejo, esperam-na 10 anos de felicidade, ao lado de Duarte. [A meu ver, a história de Luísa seria mais desenvolvida se o livro tivesse terminado, sendo muito interessante perceber o que se seguiria na sua vida, após a sua  felicidade ter sido arrancada, assim, sem aviso. Como se sabe, pelo primeiro capítulo, ela regressa a casa dos pais, com os filhos. Porém, seria o seu caminho até lá que nos faria a nós, leitores, conhecer esta personagem, porque é nos momentos de adversidade que se revela o carácter das pessoas e as suas motivações.]

Por conhecer um pouco de Rosa Lobato de Faria, penso que este livro encerraria uma poderosa mensagem sobre a amizade de infância duradoura e a sua persistência perante as adversidades da vida, [que seria evidente quando as duas vidas se articulassem, novamente, com o regresso de ambas às origens].

Vento suão lembra a importância de mantermos junto a nós aqueles que amamos e que nos querem bem. E lembra também uma flor colhida antes do tempo. Uma bela escrita ainda em bruto, onde tanto ficou por dizer.

Classificação: 8/10 - Muito Bom

Confesso que a classificação que pensei antes de terminar a minha análise sobre o livro era inferior. Porém, este livro deu-me uma nova experiência. Terminar a história do livro foi um exercício maravilhoso que me relembrou as subtilezas da escrita de Rosa Lobato de Faria e o facto dos seus livros não primarem pela sua imprevisibilidade, mas sim pela sua habilidade de nos apresentar uma história mundana, real que nos faz sempre relembrar situações, pessoas  ou ações que nos são familiares.

Felizmente, ainda tenho alguns livros dela para ler :)

Para aqueles que ainda não leram nada  de Rosa Lobato de Faria, recomendaria antes outros livros da autora, para se ambientarem ao seu estilo.

Os que leram Vento Suão, qual é a vossa opinião sobre a continuação da história?

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Traição de Sangue, de Charlaine Harris

Sinopse: Sookie Stackhouse, uma empregada de bar na pequena vila Bon Temps em Louisiana, tem tão poucos parentes vivos que a entristece perder mais um; neste caso a sua prima Hadley, amante da rainha dos vampiros de Nova Orleães. Hadley deixou tudo o que tinha a Sookie, mas reclamar essa herança tem riscos elevados. Há quem não queira que ela vasculhe demasiado o passado e as posses da prima - nomeadamente uma pulseira valiosa que faz parte de um conjunto oferecido pelo rei vampiro do Arkansas à rainha do Louisiana, e que Hadley roubou e escondeu antes de ser assassinada. Sookie tenta evitar um conflito diplomático entre os dois reis mas, mais uma vez, a sua vida está em perigo pois  alguém fará qualquer coisa para a travar...



A minha opinião:  True Blood é a saga a que recorro quando quero ler algo viciante e que não seja demasiado estimulante intelectualmente, pois assim retomo sempre o meu gosto pela leitura em tempos mais cansativos. Com este 6º livro, confirmam-se, mais uma vez, estes atributos.

Na Traição de Sangue, voltamos ao mundo vampírico (yay!), depois de no livro anterior Sookie se ter aventurado pelo mundo dos metamorfos. Após 5 livros, é evidente que reconhecemos a receita: Sookie desloca-se, desta vez, a Nova Orleães devido ao falecimento da sua prima vampira Hadley, mas acaba por se ver no meio de acontecimentos perigosos do mundo sobrenatural, com grandes consequências na dinâmica dos vampiros da sua área. 

Porém, a meu ver, este livro destaca-se pelo maior contacto com a realeza vampírica e consequentemente com o aumento da compreensão que temos sobre estes seres. Confesso que a história do "renascer" de cada vampiro é sempre uma curiosidade que gosto de ir vendo saciada :) E porque a vida amorosa de Sookie tarda em assentar e é, naturalmente, tema de conversa, apesar de começar a gostar um pouco de Quinn, espero ansiosamente por Eric.

Pelo facto de, passados tantos livros, a série continuar a manter-me bastante interessada, apenas posso recomendar os livros àqueles que gostem de uma mistura de mistério com o mundo sobrenatural, recheado de criaturas sensuais e cativantes, mas perigosas.

Classificação: 7/10 - Bom

Saga Sangue Fresco - opiniões :

Sangue Fresco -  2 Dívida de Sangue - 3 Clube de Sangue - 4 Sangue Oculto - Sangue Furtivo 6-Traição de Sangue 7- Sangue Felino