terça-feira, 10 de setembro de 2013

A Flor Oculta, de Pearl S. Buck

Sinopse: A Flor Oculta é uma bela e pungente história de amor, cujos protagonistas - uma japonesa e um americano - vivem um drama intenso e doloroso. Mas, das ruínas do amor aniquilado pelos preconceitos, brota a "flor oculta", o pequeno Lennie, que vai encontrar, à sua volta, a dádiva generosa da mais profunda simpatia humana

A minha opinião: Parti um pouco à aventura para a leitura deste livro, pois o único que sabia era que a autora tinha ganho o prémio nobel. De facto, desde cedo se nota a qualidade da escrita de Pearl S. Buck. As partes descritivas intercalam com as narrativas na dose certa, fornecendo ao leitor imagens belíssimas ou cruamente realistas do que está a ocorrer. 

N' A Flor Oculta, Pearl S. Buck apresenta-nos a história de Josui, uma japonesa de uma família que vivera na Califórnia, que conhece Alenn, um soldado americano que se encontra, por um período, no Japão. Os dois apaixonam-se, todavia terão de lutar contra o preconceito racial que sofrem, quer no Japão, quer nos Estados Unidos. Esta questão da mistura de raças era algo que preocupava a autora, o que se espelha, então, nos livros que escreveu. Deste modo, ainda que, agora, estes não sejam tão revolucionários quanto isso, servem para, de facto, nos relembrarmos da profunda mudança de mentalidade que ocorreu no século XX e que, contudo, deve continuar a ocorrer, pois o caminho para uma completa igualdade é, ainda, longo.

A Flor Oculta apresenta brilhantemente um confronto de filosofias de vida - japonesa e americana - bastante realista, sem cair em algo desinteressante. As personagens são muito credíveis e representam magnificamente os seus papéis, revelando-se submissas e resignadas ao destino, em certas alturas, mas, noutras, rebeldes e ansiosas por tomar ação, sendo que a autora consegue fazer transparecer esses estados de espírito na perfeição. Pelos vários momentos que vivem as personagens, é impossível não rever nelas outros acontecimentos relacionados connosco ou com quem conhecemos - a sensação de inadptação, a incompreensão devida a preconceitos por parte de quem nos ama, a influência da mentalidade da sociedade ou a sensação de que os esforços feitos foram inúteis, de que, afinal, remamos contra a maré. Neste livro, a reflexão é motivada por uma temática que faz, de algum modo, lembrar Madame Butterfly, devido à angústia de Josui  por ficar, para sempre, entre a cultura nipónica e americana, nunca pertencendo verdadeiramente a nenhuma. O mais incrível, porém, é a evolução abismal da personagem ao longo do livro, sendo o seu sofrimento quase palpável. Porque todos nos sentimos, nalgum momento, na terra de ninguém.

Este livro vale, assim, não por uma história imprevisível, ainda que dolorosamente bela, mas pela impressão que provoca no leitor, pela reflexão que nele motiva. Talvez ter gostado bastante deste livro se deva a uma ótima combinação entre o livro e a altura em que o leio, mas o facto é que as personagens e a sua história acabaram por me tocar mais do que estaria à espera, agora que olho objetivamente para aquilo que li. Porém, ao escrever a crítica, tenho plena consciência de que, afinal de contas, não é um nobel que faz uma boa experiência de leitura, é a conjugação de milhares de variáveis. Não conheço mais de Pearl S. Buck, mas é uma autora cujos livros tenciono descobrir.


Classificação: 8/10 - Muito Bom

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Todos - caminhada de culturas [Aromas e Especiarias do Oriente]

Caros leitores, 

se procuram um progama diferente, em Lisboa, nos dias 12, 13, 14 e 15 de setembro, convido-vos a experimentar o festival Todos, que se realiza na zona de S. Bento/Poço dos Negros. Esta será a 5ªedição do festival TODOS, que se realizava no Intendente, sendo que este ano se associou às "Noites de São Bento", decorrendo em paralelo.

São 4 dias recheados de música, dança, teatro e cinema, assim como visitas guiadas a museus e ruas, conversas sobre o transcendente ou a língua persa, entre outros, grande parte de entrada livre. Para (re)descobrir um bairro característico de Lisboa e a sua multiculturalidade, das 10 h até às 24h, atividades não faltam.

O aroma da arte, nas ruas de Lisboa.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Os Pássaros de Seda, de Rosa Lobato de Faria

Sinopse: Graças à qualidade eterna do carácter de minha mãe e ao consequente travão que ela pôs à entrada do "progresso" naquela casa, a Pedra Moura guardou para sempre a sua transcendência de lugar mágico. O reino dos contos de fadas e dos autos de Natal, o mundo dos antigos aromas e sabores, o sítio da infância, o refúgio ideal para nascer e morrer.
Assim terminam as memórias de Mário, um dos protagonistas de Os Pássaros de Seda, um livro soobre a condição humana, que opões os valores perenes da infância, do maravilhoso e do amor à precariedade das paixões e dos transes da fortuna.
Um magnífico romance que, depois de O Pranto de Lúcifer, confirma a sua autora como uma presença incontornável no panorama da nova ficção portuguesa.

A minha opinião: Belíssimo. Este pequeno livro de 200 páginas encerra em si uma história mundana, de um amor silenciosamente incorrespondido. Algo cliché, é certo, mas em Rosa Lobato de Faria o que nos toca não é um enredo com grande mistérios e acontecimentos imprevisíveis. O que nos toca, sim, é a beleza da escrita, os pormenores e os detalhes que transformam, aos ouvidos, a prosa em poesia.

Os Pássaros de Seda  são, praticamente, as memórias de Mário, filho de uma criada, que vive com ela, o tio-avô - Zebra - e Diamantina, que foi adoptada pela mãe e o tio. Companheiros inseparáveis enquanto crianças, Mário cedo evoluiu para um amor sincero por Diamantina, a qual não via em Mário senão um irmão. A vida de ambos segue rumos muito diferentes, mas sendo Diamantina a protagonista da vida de Mário é, também, ela a protagonista deste livro.

Os Pássaros de Seda apresenta-nos, assim, uma história que nos dá asas para reflectir sobre as relações humanas, os erros do passado, o apreço que damos, mas principalmente, o que não damos ao que nos rodeia, e o facto das nossas memórias serem feitas de pequenos momentos, mas esses momentos fazerem toda a diferença. No fundo, Os Pássaros de Seda fala-nos da vida.

E essa reflexão deve-se às personagens que nos lembram os nossos próprios amigos, namorados, irmãos, pais, avós, desde os contos do tio Zebra que, metaforicamente, descrevem tantos momentos e erros nas vidas de Diamantina e Mário, aos pensamentos das personagens, quer principais quer secundárias, que nos ferem o coração de tão dolorosamente verdadeiras e aplicáveis à nossa vida.

Ao acabar de lê-lo, a única palavra que tenho em mente é bravo. O final dói pela morte de Mário, uma personagem cuja intervenção quase parece um detalhe na história, mas que nos proporcionou um livro belíssimo que nos envolve subtilmente mas de maneira incontornável.

Classificação: 8/10 - Muito Bom

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Crónica do Pássaro de Corda, de Haruki Murakami

Sinopse: Toru Okada, um jovem japonês que vive na mais completa normalidade, vê a sua vida transformada após o telefonema anónimo de uma mulher. Começam a aparecer personagens cada vez mais estranhas em seu redor e o real vai degradando-se até se transformar em algo fantasmagórico. A percepção do mundo torna-se mágica, os sonhos invadem a realidade e, pouco a pouco, Toru sente-se impelido a resolver os conflitos que carregou durante toda a sua vida.
Este livro conta com uma galeria de personagens tão surpreendentes como profundamente autênticas e, quase por magia, o mundo quotidiano do Japão moderno aparece-nos como algo estranhamente familiar.
Crónica do Pássaro de Corda, ao qual foi atribuído o Prémio Yomiuri, é considerado, por muitos, a obra-prima de Murakami. 

A minha opinião: Murakami é um escritor único, cujas obras primam pela atmosfera surreal em que o leitor é envolvido. Apesar da peculiaridade das personagens e acontecimentos narrados, que chegam a ser muito bizarros, o facto é que as histórias costumam ser sempre cativantes.

Na Crónica do Pássaro de Corda, Murakami apresenta-nos Toru Okada, um homem que aparenta levar uma vida banal até que recebe uma chamada anónima de uma mulher, sendo que, a partir daí, a sua vida vai estar repleta de acontecimentos que parecem ilógicos, mas que, na realidade não são tão obscuros ou deslocados da realidade. 

Confesso que, no início, me foi difícil gostar do livro. Isto, porque se revelava já uma tendência para muitas pontas soltas e histórias paralelas ao longo da leitura que, ainda que se tenham mantido ao longo desta e até tenha gostado, foram difíceis de me habituar inicialmente.

Mas, se primeiro se estranha, depois entranha-se e o facto é que a leitura foi ganhando ritmo. Este livro foi, dos que li de Murakami, aquele com que deparei com personagens mais inusuais, que por se distanciarem das opções de vida habituais, revelam uma sabedoria e liberdade fascinantes. Dentro das pessoas com que Toru contacta, conhecemos espírito livres e jovens, personagens que abraçam o sobrenatural, mas também seres sem escrúpulos e manipuladores, que reconhecem os mais vulneráveis e deles se aproveitam. Com eles reflectimos sobre o destino, a dualidade do ser humano, o conhecimento que temos sobre as pessoas e os impulsos, a fronteira ténue entre consciente e inconsciente, sendo várias as passagens convidativas a estas reflexões pessoais, que me fizeram parar a leitura, diversas vezes, para absorver o que estava a ler.  Aliás, a diferença tão subtil entre sono e vigília afectaram, inclusivamente, uma noite que seria, para mim, calma e tranquila, mas que Murakami não deixou sossegada.

Confesso que gostaria de ter gostado tanto deste livro como dos outros que li dele, mas o facto é que me deixou um vazio no final. Talvez por ter sentido pouco interesse em algumas partes da leitura ou por Murakami ter levado mais ao extremo as pontas soltas em alguns momentos do livro, não desfrutei tanto da história da Crónica do Pássaro de Corda. Porém, a leitura de excertos onde há um apelo magnífico  às sensações, que me levam a descobrir obras de música clássica maravilhosas e as reflexões que o livro incitou valeram bem a pena.


Classificação: 7/10 - Bom  

PS - Para os leitores que gostariam de começar a ler Murakami, Sputnik, Meu Amor ou A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol seriam melhores escolhas, a meu ver, para se ambientarem ao estilo de Murakami. 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O Enigma das Cartas Anónimas, de Agatha Christie

Sinopse: Após um acidente grave, Jerry Burton escolhe a aldeia de Lymstock para convalescer sob os cuidados da irmã, Joanna. Mas a tranquilidade da aldeia vai ser abalada por uma sucessão de cartas anónimas. Afinal, em Lymstock a calma é apenas aparente – a povoação está cheia de intrigas e mistérios – e o caso das cartas, inicialmente pouco perturbador, acaba por assumir contornos de tragédia quando uma das destinatárias aparentemente se suicida. E enquanto o caos, o pânico e a desconfiança se instalam, surge a dúvida: estarão os habitantes a ser vítimas de um psicopata ou de si próprios, dos seus segredos, erros e pequenas infâmias, cuidadosamente guardados ao longo dos anos? A ajuda chegará de onde menos se espera: de uma velha senhora, de visita à aldeia e hospedada em caso do vigário. Nem mais nem menos que Miss Jane Marple.

A minha opinião: O Enigma das Cartas Anónimas de Agatha Christie conta com os ingredientes já habituais da Duquesa da Morte. Mr Burton, para um período de coalescência, decide ir paro o campo com a sua irmã, de modo a ter um período de paz e sossego, como ele próprio afirma. Porém, obviamente, o que o espera não é paz nem sossego. Pouco tempo depois de conhecer a vila, ele e outros habitantes começam a receber cartas anónimas com assuntos obscenos sobre os destinatários, que não correspondiam à verdade e, inclusivamente, levaram ao suicídio de uma mulher.
Rapidamente Mr Burton interessa-se por descobrir a identidade do remetente das cartas e , para tal, ajuda a polícia. Porém , pouco se descobre até Miss Marple entrar em cena e dar a sua graça.
Apesar de não ser um dos melhores de Agatha Christie, é um livro viciante e que, estranhamente, não conta com uma grande intervenção de Miss Marple, pois é muito concentrado em conhecer a aldeia sob o prisma de Mr Burton. 
Pela história engraçada, personagens curiosas e, claro, um desfecho com o qual não contava, este livro revelou-se uma boa leitura. Até agora, Christie é uma aposta segura.

 Classificação: 7/10

domingo, 18 de agosto de 2013

Sangue Furtivo, de Charlaine Harris

Sinopse: Sookie Stackhouse, uma empregada de bar na pequena vila Bon Temps, não é alheia a experiências sobrenaturais. Mas agora estranhos acontecimentos estão a mexer com a sua família e nunca antes o sobrenatural esteve tão próximo. Quando Sookie repara que os olhos do seu irmão Jason começam a modificar-se, ela percebe que ele está prestes a transformar-se numa pantera pela primeira vez - uma transformação mais rápida e intuitiva do que a maioria dos metamorfos que ela conhece. Mas a preocupação de Sookie torna-se mais intensa e assustadora quando um atirador furtivo aponta a sua mira para os metamorfos locais, e os novos "irmãos" felinos de Jason começam a suspeitar que ele pode estar por trás dessa mira. Sookie tem até à próxima lua cheia para descobrir quem está envolvido nestes ataques... a menos que o atirador decida encontrá-la primeiro...

A minha opinião:  Caros fãs da série, boas notícias, o 5º livro é extremamente viciante, à semelhança dos anteriores. O mundo criado por Charlaine Harris e as personagens carismáticas que nele habitam são mais que suficientes para ser impossível largar o livro, uma vez começado, mesmo que os ingredientes de policial sejam sensivelmente os mesmos.

Em Sangue Furtivo, a história debruça-se essencialmente sobre a comunidade metamorfa, sendo que os vampiros têm relativamente pouca ação. Quem sente curiosidade sobre a comunidade metamorfa, certamente gostará deste livro. Quanto aos outros, espero que tenham a sua vontade satisfeita nos livros seguintes. Ainda assim, estando algo curiosa pela transformação de Jason, senti-me um pouco desiludida pelo seu (quase) nenhum desenvolvimento. Compreendo que não fosse crucial, mas gostaria que Jason tivesse tido um pouco mais de protagonismo.

No que diz respeito ao enredo, tenho uma grande reserva: os casos amorosos de Sookie começam a ser um pouco demais, principalmente porque estão todos num estado potencial. Espero, sinceramente, que nos livros seguintes esta questão se resolva, que o estado de indecisão dela é um pouco exasperante.

Por fim, algo que foi inevitável não reparar ao longo da leitura: ler os livros desta saga é muito mais divertido em inglês. Não quero dizer que o trabalho de tradução esteja mal feito, mas a verdade é que em inglês o tom humorístico e coloquial de Sookie enquanto narradora é mais natural e cativa, sem dúvida, mais do que lê-lo em português. 

Posto isto, apenas confirmo. A saga Sangue Fresco é a definição de livros page-turner, pelo que continua indispensável como um absorvente escape ao mundo real.

Classificação: 7/10 - Bom
Saga Sangue Fresco - opiniões :

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Caim, de José Saramago



Sinopse (contracapa): Pela Fé, Abel ofereceu a Deus um sacrifício melhor do que o de Caim. Por causa da sua fé, Deus considerou-o seu amigo e aceitou com agrado as suas ofertas. E é pela fé que Abel, embora tenha morrido, ainda fala. (Hebreus , 11-4)



A minha opinião: Sendo este o terceiro livro que leio de Saramago, posso confirmar que a sua escrita é, de facto, sublime. Ainda que a primeira impressão seja de estranheza, assim que entramos no esquema, ansiamos por esta prosa fluida e riquíssima que tanto oscila entre momentos de sabedoria popular e expressões corriqueiras e momentos com referências que caracterizam, claramente, um narrador muito culto.


Em Caim, observamos essencialmente o confronto entre o Homem e o Deus do antigo testamento. Para tal, Saramago apresenta  episódios de vários livros do antigo testamento, como a Criação, a Torre de Babel, a batalha de Jericó, o sacrifício de Isaac, a arca de Noé, entre outros. Episódios que, especialmente para aqueles que tiveram uma educação católica, são muito familiares. Com este livro, confirma-se que o conhecimento de Saramago sobre a Bíblia e a religião católica é notável, pelo à vontade demonstrado pelo narrador na manipulação dos episódios, deixando, no entanto, muitos pormenores bíblicos intactos, pormenores esses que demonstram como se Saramago baseou na Bíblia para  escrever Caim.

Confesso que admiro a coragem de Saramago ao publicar certas passagens deste livro. Ainda que não as ache propriamente corrosivas, sei que são capazes de chocar muitas pessoas. O mais curioso é que, muitas vezes, próximo de um insulto há uma certa censura do que acabou de ser dito, como se, a meio da argumentação houvesse a visão castradora da sociedade que reprova quem se revolta contra Deus. No fundo, e, para mim, esse foi o único problema deste livro, aquilo que foi apresentado não representou nada de novo. Tendo tido uma educação católica, a repulsa pelo Deus vingativo e injusto do antigo testamento que conscientemente quer provar a fé dos homens é algo que me acompanha desde que comecei a questionar a minha fé e que, aliás, me faz ver esse Deus como uma mera criação humana para aquilo que o antigo testamento realmente serve - uma espécie de histórias com princípios morais que devem ser seguidos como existem as fábulas que todos lemos em crianças.

Posto isto, Caim é uma leitura que, de facto, se destaca por apelar ao lado crítico do leitor. A visão satírica e irónica deste duelo argumentativo entre Caim e Deus não deixa o leitor passivo, ainda que o facto de Deus ser apresentado como vilão não seja propriamente chocante, pelas razões referidas acima.  

Caim prima assim, pela irreverência da escrita, pela manipulação dos episódios bíblicos  e pelo final brilhante que fazem deste livro um convite à reflexão sobre a religião e esse Deus vingativo cujas histórias são passadas de geração em geração desde há dezenas de séculos. "mas algo sei, sim algo devo ter aprendido, Quê, Que o nosso deus, o criador do céu e da terra, está rematadamente louco, porque só um louco sem consciência dos seus actos admitiria ser o culpado directo da morte de centenas de milhares de pessoas e comportar-se depois como se nada tivesse sucedido."

Classificação: 8/10 - Muito Bom

sábado, 10 de agosto de 2013

Homenagem à Catalunha, de George Orwell


Sinopse: A Revolução Espanhola ocupa um lugar-charneira na obra de George Orwell. Escrita no final da guerra civil espanhola (1936-1939) a partir da sua própria experiência na frente de combate Homenagem à Catalunha é uma obra ímpar onde o autor descreve com o agudo poder de observação que o caracterizava o confronto entre os vários grupos revolucionários incluindo as suas clivagens internas e os fascistas. De facto Orwell tinha uma franqueza rara entre a esquerda militante: dizia o que via mesmo que isso pusesse em causa o que até então havia pensado oferecendo-nos aqui um retrato lúcido das peripécias da guerra civil.


A minha opinião: Homenagem à Catalunha é um relato da experiência do escritor inglês, George Orwell, na milícia do POUM na guerra civil espanhola. Apesar de, como o próprio afirma, este relato ser bastante parcial, o facto é que, por isso, se torna bastante interessante ler sobre este conflito aos olhos de um inglês comunista que, se a princípio parece encantado com o comunismo e a sua forma de ser vivido nos primeiros tempos de guerra, no final, parece já desencantado, transmitindo-se um pouco dessa desilusão para o leitor.

Apesar de não ser uma leitura muito leve, fornece bastantes detalhes sobre o combate do lado das milícias republicanas e da perseguição final aos militantes do POUM. Alternando alguns capítulos em que Orwell explica o contexto político, os partidos existentes e a intervenção e imprensa estrangeira na guerra com a sua própria experiência pessoal, o leitor fica com uma ideia mais completa do conflito. Ao mesmo tempo, o livro serve de homenagem aos homens que combateram na guerra e que, como acontece frequentemente, acabam por cair no esquecimento. Neste livro, os espanhóis e ingleses que combateram com Orwell revivem, a Barcelona em que este viveu é vista novamente, a mudança do seu clima e atmosfera revolucionária é novamente observada pelos leitores contemporâneos.

Acabando por cair, em alguns momentos, na monotonia de relatos históricos nos quais as páginas passam e a ação pouco se desenrola, o facto é que assim se espelha a frustração de estar nas trincheiras ao frio e com fome, na ânsia do combate que não chega, no sentimento de inutilidade que nos rodeia, na desilusão de ver os ideiais que defendemos derrotados.

Classificação: 7/10 - Bom

domingo, 21 de julho de 2013

Flatland, de Edwin A. Abbott



Sinopse: Flatland é um romance revolucionário onde grande parte da acção se passa num universo a duas dimensões, habitado por toda a espécie de figuras geométricas. O narrador do livro, ele próprio um quadrado residente neste imenso território bidimensional, leva-nos a percorrer com notável rigor matemático outros mundos com apenas uma dimensão, ou com três, e entreabre o caminho para discutir outras dimensões. Se cientificamente Flatland é sem dúvida um livro excepcional, antecedendo em vários anos conceitos discutidos pela física moderna — como a relação espaço-tempo —, literária e teologicamente é também um testemunho notável. E se, a certo ponto, pode ser chocante a aparente misoginia do autor, cedo se torna evidente que estamos perante uma das mais mordazes sátiras sociais aos hábitos vigentes durante a época vitoriana. 


A minha opinião: Flatland é um daqueles livros que, apesar de ter uma pequena dimensão, encerra em si conceitos capazes de mudar a visão do leitor. 
Edwin Abott apresenta, assim, a sociedade que habita Flatland, um mundo a duas dimensões, constituída por retas, triângulos, quadrados, pentágonos etc. 
São vários os aspetos desta sociedade a duas dimensões que nos deixam a pensar. Isto, porque, no fundo, estamos a observar a nossa mentalidade aplicada a um mundo com menos 2 dimensões: este apresenta também uma sociedade estratificada, com mecanismos de ascensão social, a diferença entre homem e mulher está também visivelmente representada, a resistência a mudar um preconceito/ capacidade de conseguir ver o mundo sem nos prendermos pelo conhecimento que julgamos possuir é algo quase que inevitável tanto para os habitantes de Flatland como também para nós, seres humanos. Deste modo, à medida que avançamos no livro, apercebemo-nos que o mundo representado, tão diferente e , de certa forma, difícil de imaginar na nossa mente, vai começando a assemelhar-se aos contornos do nosso mundo, tornando-se impossível não questionar se também nós seremos obtusos em relação à existência de realidades com mais dimensões. 
Porém, o questionamento continua. Quando o quadrado, personagem que acompanhamos na nossa descoberta de Flatland, visita a Lineland ou contacta com a Spaceland, tendo uma visão mais alargada na primeira, e mais limitada na segunda, são várias as perguntas que assaltam o leitor: até que ponto estamos limitados na nossa visão sobre a realidade? Serão as nossas leis da física e matemática universais ou só se aplicam à nossa realidade restrita, ao sistema em que nos encaixamos? Até onde poderemos ser incrivelmente ignorantes por nos recusarmos a deixar os nossos preconceitos?
Não, esta obra de ficção matemática não nos responderá a estas perguntas, mas fará estas e outras mais àqueles que se atreverem  a visitar este mundo. Apesar de ter ouvido falar pouco deste livro, recomendo-o, sem reservas.

Classificação : 8 /10 - Muito Bom

segunda-feira, 18 de março de 2013

Os Maias, de Eça de Queiroz

Os Maias, de Eça de Queiroz, a obra que dispensa apresentações.

Fazendo parte do programa de português do 11º ano, já há muito tempo que estava mentalizada que teria de ler o livro obrigatoriamente quando lá chegasse. E estava quase certa que não ia gostar, precisamente por este rótulo de obrigatório aliado às várias frases que se ouvem de que a história até é gira, mas o Eça descreve demasiado ou li até à página 100, mas mais não consegui ou era demasiado aborrecido, mas também não te preocupes, não precisas de ler tudo... 

Aviso já que aqueles que vieram aqui para um resumo ou crítica d' Os Maias, voltem para trás. Peguem no livro, vão com vontade de ler e dêem uma oportunidade a uma obra cuja imagem entre os jovens não lhe faz, de todo, justiça. Começar a ler, quando é obrigatório, para mim é o mais difícil, mas no caso d' Os Maias, ao fim de 20 páginas, já me tinha esquecido de que o lia para uma disciplina, de tal maneira estava mergulhada no mundo e escrita queirosianos, na sociedade lisboeta do século XIX.

"A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela Casa do Ramalhete, ou simplesmente, o Ramalhete." É assim que começa esta obra, merecidamente uma referência na literatura portuguesa, cuja história fica para sempre gravada na memória dos leitores e cuja escrita prima pela qualidade e pela exatidão na descrição.*

Os Maias têm uma intriga que poderia facilmente ser resumida em poucas frases, porque o objetivo para Eça de Queiroz não era escrever uma novela para ler aos serões. Inserida no realismo, a obra pretende acima de tudo, criticar a sociedade. A história da família Maia, principalmente de Carlos, entretém, sem dúvida, mas este entretenimento serve apenas de pretexto para Eça fazer um retrato minucioso da alta sociedade portuguesa, criticá-la e expôndo-a tal como era. 

De facto, apesar de ter uma história cativante e personagens interessantes, estas não seriam suficentes para preencher 700 páginas. A vida de Carlos da Maia, os seus devaneios com a condessa Gouvarinho, a paixão por Maria Eduarda ou os seus encontros sociais com João da Ega, Alencar e outros têm um certo interesse, deixando o leitor com saudades quando abandona a Lisboa de Carlos da Maia. Porém, é preciso outro conteúdo, que nos é dado em pequenas (grandes) interrupções no primeiro plano da ação, dando lugar a debates acesos sobre a educação, a política, a literatura, as finanças, entre outros. E é então nesses momentos que o leitor se depara com a falta de cultura e de civismo da elite, a corrupção, a ausência de espírito crítico, o conservadorismo, o atraso e o ridículo em que cai a classe portuguesa.


É assim que a crónica dos costumes impressiona. É assim que o retrato das camadas mais abastadas e a crítica impiedosa de Queiroz fazem de um livro de novela uma obra imponente e intemporal. Porque o facto de Carlos se apaixonar pela irmã não choca já ninguém, o leitor é até preparado para isso, o que choca, sim, é o incesto consciente que assistimos no final do livro, praticado por uma pessoa submetida a uma educação rigorosa, pertencente à alta sociedade, que, no entanto, no dilema, sucumbe à paixão em detrimento da moral. 

Classificação : 9/10  - Excelente

*Convido os leitores a fazer os passeios queirosianos em Lisboa e Sintra e constatarem que, ao levar o livro, as descrições de Eça espelham nitidamente o local onde nos encontramos.