Sinopse (contracapa): Pela Fé, Abel ofereceu a Deus um sacrifício melhor do que o de Caim. Por causa da sua fé, Deus considerou-o seu amigo e aceitou com agrado as suas ofertas. E é pela fé que Abel, embora tenha morrido, ainda fala. (Hebreus , 11-4)
A minha opinião: Sendo este o terceiro livro que leio de Saramago, posso confirmar que a sua escrita é, de facto, sublime. Ainda que a primeira impressão seja de estranheza, assim que entramos no esquema, ansiamos por esta prosa fluida e riquíssima que tanto oscila entre momentos de sabedoria popular e expressões corriqueiras e momentos com referências que caracterizam, claramente, um narrador muito culto.
Em Caim, observamos essencialmente o confronto entre o Homem e o Deus do antigo testamento. Para tal, Saramago apresenta episódios de vários livros do antigo testamento, como a Criação, a Torre de Babel, a batalha de Jericó, o sacrifício de Isaac, a arca de Noé, entre outros. Episódios que, especialmente para aqueles que tiveram uma educação católica, são muito familiares. Com este livro, confirma-se que o conhecimento de Saramago sobre a Bíblia e a religião católica é notável, pelo à vontade demonstrado pelo narrador na manipulação dos episódios, deixando, no entanto, muitos pormenores bíblicos intactos, pormenores esses que demonstram como se Saramago baseou na Bíblia para escrever Caim.
Confesso que admiro a coragem de Saramago ao publicar certas passagens deste livro. Ainda que não as ache propriamente corrosivas, sei que são capazes de chocar muitas pessoas. O mais curioso é que, muitas vezes, próximo de um insulto há uma certa censura do que acabou de ser dito, como se, a meio da argumentação houvesse a visão castradora da sociedade que reprova quem se revolta contra Deus. No fundo, e, para mim, esse foi o único problema deste livro, aquilo que foi apresentado não representou nada de novo. Tendo tido uma educação católica, a repulsa pelo Deus vingativo e injusto do antigo testamento que conscientemente quer provar a fé dos homens é algo que me acompanha desde que comecei a questionar a minha fé e que, aliás, me faz ver esse Deus como uma mera criação humana para aquilo que o antigo testamento realmente serve - uma espécie de histórias com princípios morais que devem ser seguidos como existem as fábulas que todos lemos em crianças.
Posto isto, Caim é uma leitura que, de facto, se destaca por apelar ao lado crítico do leitor. A visão satírica e irónica deste duelo argumentativo entre Caim e Deus não deixa o leitor passivo, ainda que o facto de Deus ser apresentado como vilão não seja propriamente chocante, pelas razões referidas acima.
Caim prima assim, pela irreverência da escrita, pela manipulação dos episódios bíblicos e pelo final brilhante que fazem deste livro um convite à reflexão sobre a religião e esse Deus vingativo cujas histórias são passadas de geração em geração desde há dezenas de séculos. "mas algo sei, sim algo devo ter aprendido, Quê, Que o nosso deus, o criador do céu e da terra, está rematadamente louco, porque só um louco sem consciência dos seus actos admitiria ser o culpado directo da morte de centenas de milhares de pessoas e comportar-se depois como se nada tivesse sucedido."
Classificação: 8/10 - Muito Bom
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