sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Claraboia, de José Saramago

Sinopse: A ação do romance localiza-se em Lisboa em meados do século XX. Num prédio existente numa zona popular não identificada de Lisboa vivem seis famílias: um sapateiro com a respetiva mulher e um caixeiro-viajante casado com uma galega e o respetivo filho - nos dois apartamentos do rés do chão; um empregado da tipografia de um jornal e a respetiva mulher e uma "mulher por conta" no 1º andar; uma família de quatro mulheres (duas irmãs e as duas filhas de uma delas) e, em frente, no 2º andar, um empregado de escritório a mulher e a respetiva filha no início da idade adulta.O romance começa com uma conversa matinal entre o sapateiro do rés do chão, Silvestre, e a mulher, Mariana, sobre se lhes seria conveniente e útil alugar um quarto que têm livre para daí obter algum rendimento. A conversa decorre, o dia vai nascendo, a vida no prédio recomeça e o romance avança revelando ao leitor as vidas daquelas seis famílias da pequena burguesia lisboeta: os seus dramas pessoais e familiares, a estreiteza das suas vidas, as suas frustrações e pequenas misérias, materiais e morais.O quarto do sapateiro acaba alugado a Abel Nogueira, personagem para o qual Saramago transpõe o seu debate - debate que 30 anos depois viria a ser o tema central do romance O Ano da Morte de Ricardo Reis - com Fernando Pessoa: Podemos manter-nos alheios ao mundo que nos rodeia? Não teremos o dever de intervir no mundo porque somos dele parte integrante? [retirado do site da Wook]

A minha opinião: Para quem conhece algo de Saramago, Claraboia é um livro atípico, sendo que o que salta mais à primeira vista são os diálogos escritos na forma convencional, com direito a parágrafo e travessão. Centrando-nos na página gráfica, quase que parece que nos deparamos com um livro de um escritor português que retrata uma história do dia-a-dia num prédio algures por Lisboa, onde os moradores nos fazem lembrar os nossos vizinhos, familiares ou conhecidos ou as vivências que os próprios já nos contaram. 

De facto, é sobretudo por este realismo que Claraboia é um bom livro. Várias vezes me surpreendi com a forma de Saramago transmitir tão bem para o papel pessoas e maneiras de pensar tão diferentes: num capítulo era a esposa que não quer depender do marido que despreza, mas que todos os dias põe o jantar na mesa, noutro a adolescente fogosa que sabe bem o efeito que tem, mas que também finge que não o sabe ou ainda o marido que se quer desprender da família que não ama, mas que parece um pássaro com medo de sair da gaiola quando finalmente está em liberdade. 
É engraçado como de cada família do prédio lemos não mais que meia dúzia de capítulos mas conhecemos tão bem quem representam que podemos nós desenhar os contornos que as suas vidas tomariam se o livro continuasse.

Excepção talvez feita a Abel, o inquilino que se encontra num quarto alugado no prédio o mesmo tempo que nos encontramos a ler o livro. É talvez a personagem mais imprevisível, cuja vida seguirá um rumo que ele próprio não sabe ao certo. 

E, se não fosse Claraboia um livro de Saramago, talvez acabaria por aqui a crítica. Porém, para quem conhece bem Saramago, Claraboia oferece mais. Oferece a oportunidade única de ver um Saramago incipiente. Um Saramago que ainda não se libertou completamente das amarras das regras da escrita, mas que já adapta os provérbios e esta língua tão rica para espelhar uma história tão portuguesa. E é assim que vou recordar Claraboia

Recomendo, mas não como primeiro livro para conhecer Saramago. 

Classificação : 8/10 - Muito Bom

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

E as Montanhas Ecoaram, de Khaled Hosseini

Sinopse: 1952. Em Shadbagh, uma pequena aldeia no Afeganistão, Saboor é um pai que um dia se vê obrigado a tomar uma das decisões mais difíceis da sua vida: vender a filha mais nova, Pari, a um casal abastado em Cabul e assim poder continuar a sustentar a restante família. A separação é particularmente devastadora para Abdullah, o irmão mais velho que cuidou de Pari desde a morte da mãe de ambos. Nenhum dos dois imaginava que aquela viagem até à capital iria instalar um vazio nas suas vidas que seria capaz de atravessar décadas e quilómetros e condicionar os seus destinos...

Neste seu terceiro romance, E as Montanhas Ecoaram, Khaled Hosseini traz-nos uma belíssima e comovente saga familiar que reflete sobre como os laços que nos unem sobrevivem aos obstáculos que a vida nos impõe.

A minha opinião: Depois de Mil sóis resplandescentes, Khaled Hosseini estava na minha lista de autores a revisitar. Sendo afegão, mas vivendo nos EUA, o autor consegue estabelecer a ponte perfeita entre oriente e ocidente para um leitor que pouco conhece da realidade afegã.

Em E as Montanhas Ecoaram, o leitor acompanha 3 gerações de uma família pobre proveniente de uma pequena aldeia no Afeganistão, sofrendo assim com a separação forçada dos dois irmãos Abdullah e Pari e esperando pelo seu reencontro. Mas o livro é muito mais do que isto. Por muito que nos queiramos centrar apenas nos irmãos, cada capítulo foca-se numa personagem com que contactámos de forma breve anteriomente, sendo os trilhos entrecruzados a forma que o leitor tem de acompanhar os rumos que as vidas das personagens que lhe são queridas tomaram. 

No fundo, um pouco como a própria vida: algumas das muitas pontas soltas das histórias daqueles com que nos cruzámos, aqui ou ali, mais cedo ou mais tarde, e muitas vezes de forma inesperada, são por nós descobertas.

Lendo em cada capítulo vidas que se entrelaçam, conhecemos diferentes personagens: a maioria vivendo no Afeganistão, mas também alguns que decidem ir para lá em missões de ajuda humanitária ou, pelo contrário, decidem deixar o Afeganistão para trás em busca de uma vida melhor, mas com as suas raízes gravadas no coração. Este é um aspecto belíssimo do livro, a oportunidade dada ao leitor de contactar com personagens com vivências tão distintas, sendo inevitável não parar para pensar nas pessoas reais que eles representam.

Porque, a meu ver, o livro não pretende ser um retrato histórico/político do Afeganistão nos 60 anos que contempla, mas sim das pessoas que são separadas daqueles que amam, dos emigrantes que se sentem deslocados ou das pessoas que reencontram o que há muito julgavam perdido.

E o final, que posso dizer? Dolorosamente belo.

Recomendo.

Classificação: 8/10 - Muito bom

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Terra Abençoada, de Pearl S. Buck

Sinopse: Terra Abençoaada é um clássico da literatura mundial, uma história bela e intemporal que nos recorda a importância dos verdadeiros valores da vida. No reinado do último imperador da China, uma criada casa com um homem humilde. Juntos dão início a uma família e encetam uma viagem épica, envolvente e inesquecível... O- lan é uma criada na maior casa da aldeia.  Quando casa com Wang Lung, um humilde agricultor, labuta arduamente ao longo de quatro gravidezes pela sobrevivência da sua família. Ao princípio, as recompensas são poucas, mas o trabalho é fonte de esperança e há sustento na terra. Até a fome chegar e mudar a vida de todos. 

A minha opinião: De Pearl S. Buck tinha lido A Flor Oculta, um romance entre o Oriente e o Ocidente que me despertou o interesse para ler mais livros dela. Mas este Terra Abençoada nada tem a ver. Neste livro, a autora mostra-nos uma China profunda, em que os camponeses, o trabalho e a terra têm os papéis principais.

A China retratada é uma China por um lado pobre, presa às tradições, onde os dias são longos e a vida é dura. Por outro, é a China do ópio e do ócio, onde as pessoas se deixam corromper. Mas os valores transmitidos do trabalho e do sacrifício pela família são universais e muito fazem lembrar aldeias por esse mundo fora, onde também existem pais que se sacrificam e filhos esbanjadores, pessoas que vivem do seu trabalho e outras de estratégias manipuladoras.

A narrativa é assim realista e as personagens credíveis, comovendo o leitor com as suas dificuldades ou desiludindo-o quando se desviam dos seus valores. O livro encerra uma bela mensagem de sacrifíco e persistência, mas também da importância de aproveitar as pequenas oportunidades que o destino nos coloca à frente.

Não sei verbalizar exatamente o que não me fez adorar o livro. Talvez procurasse um pouco mais de factos históricos ou personagens que me apelassem mais. De certa forma, foi como se o seu carácter down-to-earth me tivesse mantido também menos apegada emocionalmente.  

Ainda assim, Pearl S. Buck continua como uma escritora que quero continuar a ler no futuro.

Classificação: 7/10 - Bom

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Os Jogos da Fome (Volume I), de Suzanne Collins

http://www.presenca.pt/livro/ficcao-e-literatura/romance-fantastico/os-jogos-da-fome/
Sinopse: Num futuro pós-apocalíptico, surge das cinzas do que foi a América do Norte, Panem, uma nova nação governada por um regime totalitário que a partir da megalópole, Capitol, governa os doze Distritos com mão de ferro. Todos os Distritos estão obrigados a enviar anualmente dois adolescentes para participar nos Jogos da Fome - um espetáculo sangrento de combates mortais cujo lema é «matar ou morrer». No final, apenas um destes jovens escapará com vida… Katniss Everdeen é uma adolescente de dezasseis anos que se oferece para substituir a irmã mais nova nos Jogos, um ato de extrema coragem… Conseguirá Katniss conservar a sua vida e a sua humanidade? Um enredo surpreendente e personagens inesquecíveis elevam este romance de estreia da trilogia Os Jogos da Fome às mais altas esferas da ficção científica.

A minha opinião: Confesso que quando estava, de facto, na moda ler os livros desta trilogia, esta me passou um pouco ao lado. A principal razão devia-se à impressão que tinha de esta ser uma leitura demasiado comercial, como acontece vulgarmente com os fenómenos literários.

É fácil perceber porque os jogos da fome têm um sucesso tão grande. A leitura é extremamente viciante, tem personagens carismáticas e o universo distópico apresentado é ainda mais interessante. Não sei até que ponto será inovador no género, porque não sou leitora assídua de livros de ficção científica, mas o conceito agradou-me bastante. 

Até porque se, numa primeira leitura, o livro parece ser apenas um grupo de crianças a lutar pela sobrevivência, vivendo o leitor a adrenalina de descobrir o vencedor, num ponto de vista mais aprofundado, o contexto social e político apresentado é também ele digno de nota. À maioria dos leitores mais jovens a adrenalina e a luta pela sobrevivência poderão eclipsar algumas conversas e acções que são muito mais do que aparentam. Não sei como a autora irá desenvolver este tópico político/social, mas estou desejosa de ler o segundo livro o quanto antes.

Do meu ponto de vista, mesmo tendo em conta o público-alvo dos livros, sinto que as personagens poderiam ser melhores construídas, pois a sua linearidade contribui para alguma previsibilidade na leitura, assim como preferiria que o livro fosse narrado na 3ªpessoa, mesmo acompanhando maioritariamente a Katniss.

Dito isto, não sendo, obviamente, uma obra-prima, os Jogos da Fome apresentam uma narrativa cativante tanto para o público juvenil como para o young adult, conseguindo tirar o sono ao leitor até este alcançar a última página. 

Classificação: 8/10 - Muito Bom


quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Mil sóis resplandecentes, de Khaled Hosseini


http://dmagia.blogspot.pt/2012/03/opiniao-mil-sois-resplandecentes.htmlSinopse: Há livros que se enquadram na categoria de verdadeiros fenómenos literários, livros que caem na preferência do público e que são votados ao sucesso ainda antes da sua publicação. Há já algum tempo que se ouvia falar de Mil Sóis Resplandecentes, do afegão Khaled Hosseini, depois da sua fulgurante estreia com O Menino de Cabul, traduzido em trinta países e agora com adaptação cinematográfica em Portugal. A verdade é que assim que as primeiras cópias de Mil Sóis Resplandecentes foram colocadas à venda, o romance liderou o primeiro lugar nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Holanda, Itália, Noruega, Nova-Zelândia e África do Sul, estando igualmente muito bem classificado no Brasil e em França. A própria Amazon americana afirmou que há muito tempo não tinha visto um entusiasmo tão grande a propósito de um livro. Devido ao elevado número de encomendas, nos Estados Unidos, foram realizadas cinco reedições ainda antes do livro chegar às livrarias e na primeira semana após a publicação, já tinham sido registadas um milhão de cópias em circulação. É pois um caso verdadeiramente arrebatador que combina preferências populares potenciadas pelo efeito de passa-palavra às melhores críticas internacionais. Confirmando o talento de um grande narrador, Mil Sóis Resplandecentes passa em revista os últimos trinta anos no Afeganistão através da comovente história de duas mulheres afegãs casadas com o mesmo homem, unidas pela amizade e pela dor proveniente dos abusos que lhes são infligidos, dentro e fora de casa, em nome do machismo e da violência política vigente durante o regime taliban, mas separadas pela idade e pelas aspirações de vida. Um livro revelador, que aborda as relações humanas e as reforça perante reacções de poder excessivo e impunidade.

A minha opinião: Parti para este livro sem ter feito uma pesquisa prévia nem ter ouvido falar dele. Aconteceu simplesmente o livro destacar-se no meio de tantos outros na estante da biblioteca. Um pequeno risco que valeu a pena correr.
 

Mil Sóis Resplandecentes narra uma história belíssima num Afeganistão fragmentado pela guerra e pela mente. Sabendo pouco da realidade que assolou o país nas últimas 3 décadas, este livro foi uma excelente ponte para conhecê-la. 

Cativante do início ao fim, seguimos as vidas de Mariam e Laila, duas mulheres de gerações diferentes cujas vidas se acabam por enlaçar. Estas personagens, e tantas outras secundárias, encontram-se muito bem construídas e muitas são as vezes em que nos comovemos com as suas tristes sinas ou nos alegramos com os pequenos prazeres que lhes é permitido desfrutar. Mariam, filha bastarda de um senhor abastado de Herat, vive uma vida onde rapidamente a sua inocência de criança é transformada devido à repressão que sofre. A sua história de vida, injusta, revela uma mulher de nobre carácter. Por seu lado, Laila, nascida em Cabul numa família acolhedora, mostra também a importância de uma educação encorajadora, pensando que as portas lhe poderiam estar abertas. Porém, tal como na vida, as adversidades têm lugar em momentos pouco oportunos, impedindo-nos de realizar os nossos sonhos nesse momento. São assim altas as barreiras que Laila tem de ultrapassar para poder ser feliz. 

Enquanto mulher, as suas vidas impressionaram-me ainda mais, por contactar, ainda que ao de leve, com a realidade cruel de ser mulher no Afeganistão naquele período.
Como referi, o conhecimento que tinha sobre o período e local relatados é reduzido, pelo que não consigo certificar que o que é relatado é verosímel. Porém, na perspectiva de dar a conhecer a população afegã, algumas das suas dificuldades, medos, ambições, considero que o livro cumpre o seu papel eximiamente. A pesquisa que efectuei mais tarde sobre os locais relatados e alguns dos acontecimentos veio confirmar a ideia com que fiquei no livro, o que foi bastante enriquecedor. Mas mais enriquecedor ainda foi o facto de ver estes acontecimentos mais na perspectiva afegã, porque a perspectiva que nós, europeus, temos destes acontecimentos que tiveram lugar no Afeganistão é parcial e é nos difícil compreendê-los à luz do nosso contexto. 


Recomendo. Para a estreia nas minhas leituras de Khaleed Houseini, fiquei muito bem impressionada. Lerei certamente outro livro dele no futuro.

Classificação: 8/10 - Muito Bom

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley

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Sinopse: Publicado em 1932, Admirável Mundo Novo tornar-se-ia um dos mais extraordinários sucessos literários europeus das décadas seguintes. O livro descreve uma sociedade futura em que as pessoas seriam condicionadas em termos genéticos e psicológicos, a fim de se conformarem com as regras sociais dominantes. Tal sociedade dividir-se-ia em castas e desconheceria os conceitos de família e de moral. Contudo, esse mundo quase irrespirável não deixa de gerar os seus anticorpos. Bernard Marx, o protagonista, sente-se descontente com ele, em parte por ser fisicamente diferente dos restantes membros da sua casta. Então, numa espécie de reserva histórica em que algumas pessoas continuam a viver de acordo com valores e regras do passado, Bernard encontra um jovem que irá apresentar à sociedade asséptica do seu tempo, como um exemplo de outra forma de ser e de viver. Sem imaginar sequer os problemas e os conflitos que essa sua decisão provocará. Admirável Mundo Novo é um aviso, um apelo à consciência dos homens. É uma denúncia do perigo que ameaça a humanidade, se a tempo não fechar os ouvidos ao canto da sereia de uma falsa noção de progresso.

A minha opinião: Brilhante. Admirável Mundo Novo é uma referência no que diz respeito a distopias e, a meu ver, o seu lugar é merecido.

A sociedade descrita é inesquecível. Cada indivíduo foi condicionado aquando a sua gestação para se conformar com as normas desta sociedade. Deste modo, sente-se perfeitamente integrado na sua casta e convencido de que esta é a melhor para ele. Quer seja alfa (os mais evoluídos) ou epsilon (os que fazem trabalhos de escravo), o condicionamento é eficaz e, caso haja sentimentos anormais, estes são apagados facilmente pelo soma, a droga reconhecida.

São várias as questões que a leitura motiva. A óbvia é, claramente, quão longe estamos nós do relatado. Mas há mais. Quão facilmente somos manipulados à nascença ou quantas crenças limitam drasticamente a nossa visão? Quão frequentemente nos refugiamos em somas? Como olhamos nós aqueles que fogem à normalidade? Até que ponto conseguimos perder a nossa individualidade em prol da sociedade?

Escrevo esta opinião passadas já umas semanas da leitura do livro. Porém, dei por mim a relembrar em diversos momentos algumas passagens sobre religião, arte, política. A verdade é que, às vezes, só conseguimos notar como um livro nos marcou quando este sobrevive à passagem do tempo. Não tenho dúvidas de que este é o caso de Admirável Mundo Novo.

É ainda de destacar o excelente trabalho do tradutor, Mário Henrique Leiria, pelas várias notas que ajudam a compreender referências extra-textuais que aparecem ao longo da narrativa.

Recomendadíssimo.

Classificação: 9/10 - Excelente

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O Filho de Thor, de Juliet Marillier


Sinopse: Depois do sucesso obtido com a trilogia Sevenwaters, a Bertrand apresenta a nova série de Juliet Marillier A Saga das Ilhas Brilhantes, com o primeiro volume intitulado O Filho de Thor Eyvind sempre quis ser um dos maiores guerreiros viquingues – um Pele-de-Lobo – e lutar pelo seu chefe em nome do deus Pai da Guerra, Thor. Não concebe outro futuro mais glorioso. Mas o seu amigo Somerled, um rapaz estranho e solitário, tem outros planos para o futuro. Um juramento de sangue feito na infância força estes dois homens a uma vida de lealdade mútua.
 A um mundo de distância, Nessa, sobrinha do Rei dos Folk, começa a aprender os mistérios da sua fé. Nem a jovem sacerdotisa nem o seu povo imaginam o que lhes reserva o futuro.
 Eyvind e Somerled parecem destinados a seguir caminhos diferentes. Um torna-se um feroz servidor de Thor e o outro um cortesão erudito. Uma viagem chefiada pelo respeitado irmão de Somerled, Ulf, junta de novo os dois amigos, que acompanham um grupo de colonos que se vai instalar numas ilhas maravilhosas do outro lado do mar. Quando um facto trágico acontece a bordo de um dos navios, Eyvind começa a suspeitar de que talvez não tenha sido um acidente...

A minha opinião: Já tinha saudades de ler Juliet Marillier. Os seus romances que enlaçam fantasia e tradições celtas são, sem dúvida, um prazer de ler. Apesar da trilogia Sevenwaters, que li há uns anos, ter sido maravilhosa, o que coloca sempre altas expectativas em relação aos livros desta autora, o Filho de Thor revelou-se também num livro com poderosas mensagens e personagens fascinantes. 

Neste livro, Juliet apresenta-nos uma narrativa que tem lugar na Noruega e nas ilhas Órcades, a norte da Escócia, onde viviam os pictos antes destas serem ocupadas pelos vikings. Existe assim um ligeiro fundo histórico, não só a nível da ocupação das ilhas, mas também noutros aspetos, como a existência dos guerreiros que recebiam o chamamento cego (não de Thor mas de Odin) que os levava à sede da guerra. O facto é que estes detalhes encontram-se muito romanceados, não sendo a mais-valia do livro, apesar de fornecerem um pano de fundo interessantíssimo.

Neste cenário, acompanhamos então a expedição de Ulf, pertencente ao povo norueguês, para as ilhas brilhantes, onde vivem os Folk, povo muito antigo que tem uma relação íntima com a natureza daquelas ilhas e que, se ao contrário dos noruegueses não prima pelas armas, prima pela sua sabedoria. Curiosamente, é também este contraste que se verifica entre Eyvind e Somerled, dois jovens que partem com Ulf para estas ilhas e que partilham um juramento de sangue. Somos assim presenteados com personagens educadas em culturas bastante diferentes que têm contudo de descobrir como será a sua coexistência naquelas ilhas.
N' O Filho de Thor , as personagens são assim levadas a situações que nos levam a reflectir sobre o poder da manipulação e da mentira, a fronteira entre a lealdade e traição, a beleza da justiça e, sobretudo, o desafio da compreensão de culturas tão diferentes.
Os dilemas da personagem que mais surpreende pela sua evolução, Eyvind, são reais e, com outros contornos, todos nós, como ele, já estivemos em posições onde tivemos de tomar escolhas que não queríamos tomar em prol do que sabíamos estar certo. Por dar a entender, no início, que é uma personagem linear, a sua adaptabilidade e coragem surpreendem imenso e mostram que um bom coração nunca deve ser subestimado.

Do lado dos Folk, também se encontram personagens fascinantes. O rei Engus, Rona, Nessa, Kinart, todos surpreendem pela sua coragem que se demonstra de maneiras tão diferentes, porque eram menos fortes, mais velhos ou mais impulsivos e menos experientes, sentindo no entanto que pertenciam a algo maior do que eles e, como tal, teriam de ter a persistência necessárias para permanecer. Nessa, em especial, é uma personagem feminina marcante que, por incorporar o espírito de comunhão com a natureza das ilhas, me fez instantaneamente gostar dela.

O único ponto negativo a apontar é uma certa previsibilidade ao longo do livro. Não querendo transparecer que não tenham existido momentos em que fui surpreendida, o facto de, no final, parecer que tudo correu tão bem, apesar dos Folk praticamente dizimados, conferiu-me um sentimento de uma certa irrealidade. A meu ver, o final poderia ter sido melhor explorado.
 
Porém, houve tantas mensagens belíssimas, tantos contos celtas subtilmente colocados na narrativa, tantos momentos de sofrimento com as personagens, até mesmo de desilusão e tantos outros marcantes. Sendo este o primeiro volume da saga das ilhas brilhantes, tenho uma enorme vontade de ler o seguinte. Enfim, que posso mais dizer, já tinha saudades de ler Juliet Marillier.
Classificação: 8/10 - Muito Bom